quinta-feira, 26 de abril de 2012

O Paraguaio



O Paraguaio
Márcio Chacon


            Conferi o relógio pela quinta vez desde que entrei no carro. Eram quase seis da manhã. Sempre gostei de trabalhar sozinho... Somente em casos especiais precisei solicitar ajuda.
            Normalmente os alvos estão sozinhos ou acompanhados de uma pessoa no máximo. Hoje era o típico serviço que iria precisar de ajuda. Gomes não soube informar com precisão o número de pessoas presentes com o alvo, mas seriam em torno de quatro.
           Tive contato com o meu parceiro de serviço dois dias atrás e ficara preocupado com o que vira, pois o homem era bastante velho, mancava de uma perna e era de poucas palavras. O pouco que falava era para praticar um portunhol até certo ponto irritante. Seu nome era Pedro Vargas e havia fugido do Paraguai para fixar residência no sul do país a alguns anos atrás.
          Contudo a problemática da comunicação não era a causa da minha preocupação. O que me preocupava realmente era saber se poderia contar realmente com a ajuda dele para aquele serviço. Como aquele velho seria em ação? Que arma ele usaria? Seria capaz de ser rápido numa possível troca de tiro? Gomes também não me dera mais detalhes sobre o paraguaio... Apenas a certeza de que era o homem certo para me ajudar no serviço.
         Antes de conferir o relógio novamente alguém bate no vidro no carro. Abro a porta e comprimento meu novo colega:
        - Bom dia, Vargas.
        O paraguaio sorri, mas não diz nada. Senta com certa dificuldade. Ajeitar a perna dentro do carro parece ser uma tarefa dolorida... Quase impossível. Assim que ele consegue uma posição confortável dentro do veículo partimos em direção ao nosso alvo.
       Ficamos poucos minutos em silêncio. O paraguaio tira um maço de cigarros e começa a fitar meus olhos... Em seguida vem a pergunta:
       - Importa?
       - O quê?
       - Te importas se fumar no seu carro?
       - Claro que não.
       O lado bom daquela pergunta era o início de um diálogo durante o trajeto. Talvez descobrir como aquele homem trabalhava e, principalmente, se já havia feito algo parecido antes:
       - A quanto tempo atua nesse ramo?
       - Mucho tiempo.
       As palavras e o aspecto inofensivo daquele velho enchiam ainda mais minha cabeça de dúvidas. Como poderia um homem daqueles ser um matador? O que diabos ele poderia fazer quando chegássemos no local? Tentei ainda manter a conversa ativa e quem sabe obter mais alguma informação sobre meu parceiro.
         - O que Gomes te passou sobre nosso alvo?
         O velho deu uma longa tragada naquele cigarro fedorento e então respondeu:
         - Se trata de um banqueiro, correto?
        - Correto.
        - Sabe o que teremos que fazer quando chegarmos lá?
        - O procedimento de sempre. Você fará a abordagem inicial e eu cuidarei do resto.
        Conferi mais uma vez o relógio antes de estacionar o carro em frente a uma praça ainda deserta. Olhei ao redor e não havia ninguém... Consequentemente nenhuma testemunha. Voltei a dialogar com Vargas:
       - O alvo sairá da casa amarela e vai caminhar pela praça até a cafeteria. Provavelmente deverá estar acompanhado de no máximo três seguranças.
       O paraguaio dá uma longa tragada naquele cigarro fedorento e então responde:
      - Tranquilo.
       O cigarro e aquela calmaria começavam a me irritar, mas não poderia discutir com um parceiro antes do serviço. Não seria uma atitude profissional e também não teria muito tempo para brigar com aquele velho, pois nosso alvo acabara de sair de casa acompanhado de dois seguranças.
        Vargas imediatamente joga o cigarro fora e fala algo que jamais ouvira de parceiro algum:
       - Espere cinco minutos e deixe o motor ligado.
       - O quê?
      - Não precisamos esperar ele dar a volta na praça. São apenas dois seguranças... Eu cuido de tudo, hombre.
        Confesso que não sabia o que dizer naquela hora. Apenas o observo abrir a porta e sair do carro de uma maneira lenta, dolorida e resmungando algo do tipo:
      - Mierda de banco!
        Faço o que o paraguaio me pede... Deixo o carro ligado e fico a sua espera.
       Vargas começa a se aproximar do alvo que está sentado num banco da praça. Seus dois seguranças percebem a chegada de Vargas, mas não dão muito importância para aquele velho caminhando com certa dificuldade.
       Começo a entender o plano dele: Chegará mais perto de maneira inofensiva e provalvemente mate os seguranças primeiro para depois matar o banqueiro. Se esse era o plano parecia estar dando certo... Vargas se arrastava até a direção do alvo e aqueles homens não davam importância alguma para a sua presença.
        Aquilo poderia funcionar... Realmente daria certo até Vargas tropeçar e cair no chão. A queda é tão forte que solta seu maço de cigarros longe. Seu plano estava arruinado... Tudo estava perdido. Pensei em acelerar o carro e ir até eles, mas estava paralisado vendo aquela cena. Um dos seguranças foi tentar levantar Vargas enquanto o banqueiro juntava seu maço de cigarros. Quando o paraguaio já estava de pé o nosso alvo sorriu e lhe entregou seu cigarro. Foi então que aquele velho puxou um revólver pela manga e deu dois disparos tão rápidos que ouvi apenas um. Nosso alvo e um dos seguranças já estavam no chão. O outro segurança que o acudira tentou sacar sua arma e levou um tiro no rosto. Vargas dá alguns passos em direção ao banqueiro ferido e dá mais três disparos, recolhe seu cigarro e caminha lentamente até o carro.
         Não espero ele fechar a porta e acelero o veículo para sumir dali o mais rápido possível. O plano daquele velho funcionara. Sua aparência inofensiva serve apenas como disfarce para um diabo de saque rápido.
        Dirigimos cerca de trinta minutos até chegar a um estacionamento onde trocamos de veículo. Não conversamos durante o trajeto. O silêncio prevalece até voltarmos ao mesmo local onde buscara Vargas.
       Estaciono o veículo e confiro mais uma vez o relógio... São sete e meia da manhã.
      - O tempo voa.
     Vargas acende outro cigarro, abre a porta do carro e antes de descer diz:
     - Você é um pouco nervoso, mas é um bom parceiro.
    Sorrio e digo o mesmo para aquele velho que antes de descer briga novamente com o banco do carro. Lentamente ele desce do veículo e vai se arrastando pela rua até dobrar numa esquina e desaparecer.
     Ligo o carro e sigo o caminho de casa. Fico imaginando o dia de ter uma nova oportunidade de trabalhar com ele. Independente do cigarro fedorento e das poucas palavras eu estava realmente disposto a aprender mais com aquele homem que acabara de ganhar meu respeito e roubar minha alma.

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