segunda-feira, 21 de maio de 2012

Saudade Que Não Passa





Saudade Que Não Passa
Gilberto Strapazon


Olho pela janela do terceiro andar são dez horas da manhã e lá fora o céu azul e sem nuvens parece esconder algumas estrelas que não posso ver.

Fico algum tempo olhando enquanto meu corpo ainda dói pela noite mal dormida.

Penso nela o tempo todo, nunca me esqueci do seu cheiro no meu corpo.

Sinto saudades, mas meu cérebro insiste em tentar me lembrar de que ela não vai voltar.

Olho para baixo e as casas logo à frente parecem tão cheias de vida.

Até um cachorro correndo pelo gramado arrastando o que parece um lençol branco arrancado do varal me faz pensar nas coisas do universo, do tempo e espaço.

Será que estamos sós neste universo tão grande como alguns querem pensar?

Será que esse deus que falam por aí pensa que nem aquele idiota ganancioso do armazém da esquina que acha que é o único lugar para as pessoas comprarem alguma coisa?

Acho que esse tal deus deve pelo menos pensar como um cara de supermercado, daqueles grandes.

Isso me lembra dela de novo, andando por entre as prateleiras, escolhendo frutas frescas, um bom vinho. Os ingredientes para um jantar romântico.

Nunca me esqueço do jeito dela andar, feminino, macio, sensual sem ser vulgar.

Esse deus não deve gostar de pessoas vulgares, mas deve ser sensato porque tolera essas coisas.

A dona do cachorro apareceu e tirou o lençol sujo de barro da boca dele. Percebo num instante como isto tem a ver com os elos de comunicação quântica entre as dimensões.

É isto! Eureca!

Agora entendo! Essa é a chave que abre o portal entre dimensões, locais e universos diferentes!

Estava ali o tempo todo!

Qualquer criatura poderá compreender a outra desta maneira e deslocar-se instantaneamente para qualquer lugar do universo!

Então é assim que Eles (os extraterrestres) devem fazer! Ou não?

Será que essa descoberta é conhecida por outros povos evoluídos?

Creio que vou fazer minha primeira experiência indo até algum lugar distante para ver como vivem!

Meu coração mudou o compasso. Agora estou acordado.

Sinto uma nova vida em mim.

Preparo um café enquanto penso nos oito componentes do aparelho que faz esse portal funcionar. É tão simples.

O movimento do cão balançando a cabeça tentando segurar o lençol está vivo na minha memória. Então tive o lampejo e tudo se encaixou na minha mente.

Lembro que o cabelo dela balançava sedoso. O queixo suave e delicado.

Isto não passa. Meu peito começa a doer de novo, saudade dói.

Penso num jantar a dois. Olhares apaixonados. Conversar a noite toda deitados na grama olhando as estrelas.

Movimento estelar. Galáxias. Mundos sem fim.

Será que o portal vai funcionar para eu voltar e poder reencontra-la? Quem sabe consigo fugir desta saudade aguda que parece sem conserto e vou me comunicar com outros seres e quem sabe, outras mulheres? Será possível um amor cósmico?

Será que as mulheres de outros planetas serão tão femininas e maravilhosas como ela foi para minha vida?

Tinha esquecido e voltou como um golpe surdo. Minha cabeça estala como uma árvore rachada por um raio na tempestade.

-Por que isto dói tanto? Grito alto.

Quebrei outra xícara. Cortei a mão outra vez. Volto para a janela. O céu está azul e limpo. Meu corpo dói onde os cacos da xícara penetraram fundo.

O sangue suja minha roupa.

Cuido para não sujar as roupas dela mesmo sabendo que os pingos não podem alcança-la.

Não tenho como chegar perto.

Sinto tanta saudade do seu perfume.

Preciso comprar outras ferramentas.

Não posso tirar aquela chave de fenda da garganta dela.

Ela poderia gritar e eu ficaria preso também.

Talvez eu conseguisse me aproximar dela.

Bastaria pedir com jeito, ela não iria gritar.

Sinto falta da sua voz nestes anos.

Mas ela nunca mais falou comigo.

Sinto tanta saudade do jeito que ela caminhava.

Quem sabe o portal funcione e eu volte no passado.

Ao dia que a conheci.

Nunca descobri o que jantar delicioso ela ia preparar com aquelas coisas que estava comprando.

Ela era tão linda. O sol entrava pelas claraboias e fazia dela uma pintura dos mestres.

Tentei explicar que a chave de fenda era para controlar o mecanismo do portal que eu tinha feito para viajar no tempo.

Ela tinha aquele jeito de mulher inteligente. Seus olhos eram tão doces.

Acho que ela deve ter se assustado com algum barulho na rua e correu sem perceber para cima do portal, tropeçou e ficou pendurada com a chave de fenda no pescoço.

Não posso tirar ela dali senão o velho portal vai fechar novamente.

Continuo olhando para o portal que liga meu quarto ao corredor daquele supermercado. O dono deve ser como deus, pois não fica incomodando as pessoas com mesquinharias. E ninguém repara na passagem no meio do corredor de bebidas.

Pelo menos posso fazer compras sem ter que pegar chuva ou sol.

Pelo menos consigo passar de lado na estreita passagem sem ficar preso também.

Talvez eu compre uma bebida na próxima vez.

Se ela estivesse comigo seria maravilhoso. Eu me apaixonei quando a vi.

A bolsa dela continua no canto rodando no meio daquela luz espiralada. Tentei muitas formas para alcançar a bolsa, porém tudo é arrancado da minha mão.

Agora farei o novo portal e quem sabe chego lá antes que o antigo se abra e ela fique entalada de novo.

Aí ela vai voltar para mim. Vamos nos beijar apaixonadamente.

E vou saber seu nome.

Já faz tanto tempo.

Tanto tempo.

Meu peito dói de novo.

Preciso tentar dormir.

Depois vou construir o outro portal.

Todos outros falharam ou foram engolidos pelo primeiro.

Posso vê-la, mas não basta.

Sinto tanta saudade dela.


.'.


17/Maio/2012

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