Saudade Que Não Passa
Gilberto Strapazon
Gilberto Strapazon
Olho pela janela do terceiro andar são dez horas da manhã e
lá fora o céu azul e sem nuvens parece esconder algumas estrelas que não posso
ver.
Fico algum tempo olhando enquanto meu corpo ainda dói pela
noite mal dormida.
Penso nela o tempo todo, nunca me esqueci do seu cheiro no
meu corpo.
Sinto saudades, mas meu cérebro insiste em tentar me lembrar
de que ela não vai voltar.
Olho para baixo e as casas logo à frente parecem tão cheias
de vida.
Até um cachorro correndo pelo gramado arrastando o que
parece um lençol branco arrancado do varal me faz pensar nas coisas do
universo, do tempo e espaço.
Será que estamos sós neste universo tão grande como alguns
querem pensar?
Será que esse deus que falam por aí pensa que nem aquele
idiota ganancioso do armazém da esquina que acha que é o único lugar para as
pessoas comprarem alguma coisa?
Acho que esse tal deus deve pelo menos pensar como um cara
de supermercado, daqueles grandes.
Isso me lembra dela de novo, andando por entre as prateleiras,
escolhendo frutas frescas, um bom vinho. Os ingredientes para um jantar
romântico.
Nunca me esqueço do jeito dela andar, feminino, macio,
sensual sem ser vulgar.
Esse deus não deve gostar de pessoas vulgares, mas deve ser
sensato porque tolera essas coisas.
A dona do cachorro apareceu e tirou o lençol sujo de barro
da boca dele. Percebo num instante como isto tem a ver com os elos de
comunicação quântica entre as dimensões.
É isto! Eureca!
Agora entendo! Essa é a chave que abre o portal entre dimensões, locais e universos diferentes!
Estava ali o tempo todo!
Então é assim que Eles (os extraterrestres) devem fazer! Ou
não?
Será que essa descoberta é conhecida por outros povos
evoluídos?
Creio que vou fazer minha primeira experiência indo até
algum lugar distante para ver como vivem!
Meu coração mudou o compasso. Agora estou acordado.
Sinto uma nova vida em mim.
Preparo um café enquanto penso nos oito componentes do
aparelho que faz esse portal funcionar. É tão simples.
O movimento do cão balançando a cabeça tentando segurar o
lençol está vivo na minha memória. Então tive o lampejo e tudo se encaixou na
minha mente.
Lembro que o cabelo dela balançava sedoso. O queixo suave e
delicado.
Isto não passa. Meu peito começa a doer de novo, saudade
dói.
Penso num jantar a dois. Olhares apaixonados. Conversar a
noite toda deitados na grama olhando as estrelas.
Movimento estelar. Galáxias. Mundos sem fim.
Será que o portal vai funcionar para eu voltar e poder
reencontra-la? Quem sabe consigo fugir desta saudade aguda que parece sem
conserto e vou me comunicar com outros seres e quem sabe, outras mulheres? Será
possível um amor cósmico?
Será que as mulheres de outros planetas serão tão femininas
e maravilhosas como ela foi para minha vida?
Tinha esquecido e voltou como um golpe surdo. Minha cabeça
estala como uma árvore rachada por um raio na tempestade.
-Por que isto dói tanto? Grito alto.
Quebrei outra xícara. Cortei a mão outra vez. Volto para a
janela. O céu está azul e limpo. Meu corpo dói onde os cacos da xícara
penetraram fundo.
O sangue suja minha roupa.
Cuido para não sujar as roupas dela mesmo sabendo que os pingos
não podem alcança-la.
Não tenho como chegar perto.
Sinto tanta saudade do seu perfume.
Preciso comprar outras ferramentas.
Não posso tirar aquela chave de fenda da garganta dela.
Ela poderia gritar e eu ficaria preso também.
Talvez eu conseguisse me aproximar dela.
Bastaria pedir com jeito, ela não iria gritar.
Sinto falta da sua voz nestes anos.
Mas ela nunca mais falou comigo.
Sinto tanta saudade do jeito que ela caminhava.
Quem sabe o portal funcione e eu volte no passado.
Ao dia que a conheci.
Nunca descobri o que jantar delicioso ela ia preparar com
aquelas coisas que estava comprando.
Ela era tão linda. O sol entrava pelas claraboias e fazia
dela uma pintura dos mestres.
Tentei explicar que a
chave de fenda era para controlar o mecanismo do portal que eu tinha feito para
viajar no tempo.
Ela tinha aquele jeito de mulher inteligente. Seus olhos
eram tão doces.
Acho que ela deve ter se assustado com algum barulho na rua
e correu sem perceber para cima do portal, tropeçou e ficou pendurada com a
chave de fenda no pescoço.
Não posso tirar ela dali senão o velho portal vai fechar
novamente.
Continuo olhando para o portal que liga meu quarto ao
corredor daquele supermercado. O dono deve ser como deus, pois não fica
incomodando as pessoas com mesquinharias. E ninguém repara na passagem no meio
do corredor de bebidas.
Pelo menos posso fazer compras sem ter que pegar chuva ou sol.
Pelo menos consigo passar de lado na estreita passagem sem
ficar preso também.
Talvez eu compre uma bebida na próxima vez.
Se ela estivesse comigo seria maravilhoso. Eu me apaixonei
quando a vi.
A bolsa dela continua no canto rodando no meio daquela luz
espiralada. Tentei muitas formas para alcançar a bolsa, porém tudo é arrancado
da minha mão.
Aí ela vai voltar para mim. Vamos nos beijar
apaixonadamente.
E vou saber seu nome.
Já faz tanto tempo.
Tanto tempo.
Meu peito dói de novo.
Preciso tentar dormir.
Depois vou construir o outro portal.
Todos outros falharam ou foram engolidos pelo primeiro.
Posso vê-la, mas não basta.
Sinto tanta saudade dela.
.'.
17/Maio/2012
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