quarta-feira, 30 de maio de 2012

Um Dia no Escritório




Um Dia no Escritório
Gilberto Strapazon


O clima na sala era silencioso e pesado.
A fumaça dos charutos subia até o teto.
Poucas cadeiras, quadros nas paredes encardidas.
Uns estavam encostados na parede pensativos.
Outros sentados olhavam com as mãos trêmulas.
Concentrado em seus pensamentos, o chefe lia as mensagens que chegavam ao computador.
De vez em quando bebericava seu whisky que alguém imediatamente tratava de repor no copo.
O silêncio só era quebrado pelo monótono som das teclas de vez em quando.
Do outro lado um dos assistentes não conseguia disfarçar seus joelhos tremendo.
Sentada logo atrás do chefe, a mulher apenas observava de perto.
Já era madura, tinha um jeito interessante. Cabelos curtos. Quadris definidos e seios fartos que fariam a alegria de qualquer um.
Roçando de leve o peito no braço dele que parecia não sentir sua presença.
Ela ignorava todos na sala sempre que fazia aquilo. A estreita calcinha aparecia por cima da calça de cintura baixa. 
Preta, com rendas e flores bordadas.
A pele branca dava a ela um jeito meio espectral.
Por causa da fumaça os quadros nas paredes tinham uma aparência estranha nas expressões.
Todos sabiam dos olhos que se moviam, mas ninguém se arriscava a perguntar.
Entrou mais um na sala, olhou por um segundo a mulher e tratou de pegar um café.
Olhou para os outros.
Estavam todos ali. A mulher estava ali.
O chefe nada falava.
Pelo menos o tempo passava. Lento, mas passava em silêncio.
De repente um leve estalo na madeira do piso fez com que todos abrissem os olhos.
O chefe permaneceu imóvel no computador. Apenas teclava.
A mulher deslizou da cadeira até o balcão e encheu um grande copo com vinho do Porto.
Com os dedos mexeu na bebida e molhou a pele desnuda com ele.
Lentamente foi molhando as tatuagens que cobriam sua pele. Ela era toda tatuada. Os seios pareciam os olhos de um grande pássaro pronto a voar.
O silêncio era total.
O chefe virou-se na cadeira e fez um sinal pedindo outro charuto.
Deu umas baforadas e virou-se novamente para o computador, absorto no que fazia.
O assistente que tremia no outro lado tinha parado de tremer.
Notaram que parecia ter ficado pendurado no quadro atrás dele. Imóvel como um casaco velho. O cabelo comprido parecia estar grudado na parede.
Os olhos do quadro pareciam olhar pela sala.
Com os seios pingando vinho que havia passado pelo corpo, a mulher caminhou lentamente pela sala.
O chefe estava atento ao computador, parecia ignorar o movimento.
A fumaça de outro charuto deslizou pelo ar enquanto ela puxou um a um todos assistentes ao seu redor.
Ela agora estava nua e segurava a garrafa de vinho numa das mãos. A bebida pingava pelo piso de madeira que parecia ganhar outro brilho.
Abriu um pequeno armário vermelho e tirou dali um bastão negro que preenchia sua mão.  
Seu corpo estava coberto pelo vinho escuro que parecia escorrer por todo piso.
Fez com que todos tocassem seu corpo enquanto suspirava lentamente e girava pela sala.
Ela colocou a garrafa no meio das pernas e o vinho que jorrava agora sem parar parecia ter uma consistência gelatinosa. Foi se espalhando pelo corpo dela, cobriu o piso e subiu pelas paredes.
Todos tremiam muito, mas não podiam negar-se a tocar a mulher. Lambiam o vinho sobre seu corpo como se estivessem mergulhando numa piscina. 
Aos poucos parecia uma bola humana, a mulher no meio de todos que pareciam entrelaçados, cobertos pelo vinho que agora cobria toda sala. Menos o chefe que estava no computador e parecia alheio a tudo.
Ela tocou um por um na testa com o bastão que deslizava de vez em quando pelos lábios e passava em si mesma como um falo, se acariciando profundamente.
Quando todas as mãos a tocavam ao mesmo tempo, em todas as partes, ela apenas sorriu e afastou-os de uma vez só.
Espichou os braços para frente como quem afasta bolhas de sabão e a massa de vinho e corpos recolheu-se para as paredes, subindo aos quadros pendurados.
Ficou sozinha no meio da sala. Não havia qualquer sinal da bebida. Na sala estavam apenas ela e o chefe.
Completamente nua e a pele muito branca tinha uma aparência serena. Respirava quase normalmente e seus olhos eram brilhantes.
Tirou a garrafa que segurava no meio das pernas e lambeu lentamente uma única última gota de vinho que estava na borda.
Foi até o balcão vermelho, cuidadosamente tampou a garrafa com uma rolha que ali estava. Guardou o bastão e a garrafa no balcão de forma reverente e cuidadosa.
O silêncio era total na sala.
A fumaça se dissipou até que outro charuto foi aceso.
O chefe olhava as mensagens no computador e a mulher sentou quieta ao seu lado.
Ele não se importava se ela gostava de pintar quadros contanto que não o importunasse.
A sala agora estava vazia.
Apenas aqueles estranhos quadros com aquelas expressões nas faces.
Os olhos que se moviam.
Sempre havia rostos novos nos estranhos quadros.





Gilberto Strapazon
29/05/2012

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