quinta-feira, 23 de junho de 2016

Paixão de Elevador



A bela e jovem loira mal me vê quando entra no elevador conferindo seu celular. Chega a se assustar quando percebe minha presença ao seu lado. Sorrio para tentar eliminar seu embaraço. Ela devolve um sorriso forçado... Mentalmente deve acreditar que todo homem de cabelos grisalhos é capaz de atacar mulheres no elevador.
O que me irrita nessas situações é a falsidade das pessoas consigo mesmo e para com todos a sua volta. A moça me conhece. Seu nome é Melissa e trabalha no almoxarifado da empresa. Diariamente lhe entrego correspondências e ela sempre confere envelope por envelope antes de me entregar o aviso de recebimento assinado. Semana passada chegamos a conversar sobre uma música que estava tocando no seu rádio. Mas tudo muda dentro de um elevador. Somos apenas estranhos esperando a porta abrir para voltamos para nossos serviços medíocres e mal-remunerados.  
O elevador pára no terceiro andar antes de chegarmos no térreo. Uma ruiva alta entra lendo um documento que parece ser importante. Talvez não conheça Melissa, mas tenho certeza que ela me conhece. Seu nome é Júlia e é a nova advogada da empresa. Também já entreguei correspondência pra ela e ontem a ajudei na máquina do café. Júlia tem sorte. Realmente tem muita sorte porque hoje vou matar somente Melissa.
Mas amanhã quem sabe te faça uma visita, vadia.


Escrito por Márcio Chacon (23/06/2016)

domingo, 20 de setembro de 2015

Comunicado extra-oficial

Me enchi de metedrina
peguei a mochila e saí
desviando de alguns morcegos
e demônios com dentes arreganhados

Explodi a prefeitura,
bombas caseiras, saca?

Empurrei uma velhas
em frente à ônibus que passavam
uma delas teve a cabeça esmagada pelas rodas

Esfaqueei uns pé-de-porco
entrei com um Opala e tudo no Carrefour
fiz uma limpa
os seguranças eram frouxos
deixei todos se estrebuchando

Fiz uma chacina
no prédio da Zero Hora
os filhos da puta recusaram um poema meu

Estuprei a garçonete do buteco
depois a afoguei na privada
já não me servia pra mais nada

Abri o manicômio e o presídio
deixei todos fugirem
são meus fiéis seguidores

É só o começo
fazia tempo que eu não andava por aqui
vocês ainda vão ouvir muito sobre mim

Estou de volta
meu nome é Jesus

Está aberta a temporada da degola.


Roleta-russa














terça-feira, 9 de junho de 2015

Gravatas


Não gostava de gravatas. Saía pela manhã cheirando a café, cigarro e mofo, suas baratas e ratos de estimação ficavam na porta, acenando, enquanto passava o ônibus com alguns tripulantes engravatados. Seu olho esquerdo tremia freneticamente ao vê-los de relance, preferia ficar em pé, estático, os dentes acirrados e as mãos suando, geladas. Ficava a planejar numa forma de pôr um fim naquilo tudo. Todos os dias.

Já não enxergava mais as pessoas, eram tudo gravatas. No trabalho, mais gravatas. Gravatas tomando café, coçando o saco, contando piadas, peidando. Gravatas trabalhando na grande máquina sanguessuga, chupando a alma dos pobres diabos que chegavam se arrastando, suplicando menos taxas e juros.

Na rua, gravatas berrando ao telefone, xingando umas às outras, gravatas enfileiradas esperando seu McLanche Feliz, assistindo a um imbecil qualquer na TV, outras em transe, rodeando uma gravata com bíblia na mão.

Não gostava de gravatas. Precisava acabar com aquilo.

Certo dia chegou em casa, atirando a pasta na cama e afrouxando o gola da camisa. Pegou a garrafa e começou a mamar seu bíter, ele queria evitar as palavras de seu falecido pai, mas elas marretavam cada vez mais forte em sua cabeça: "- Filho, espero ainda estar vivo para vê-lo homem, com um bom emprego, de terno e gravata. Um homem sem gravata não deve ser levado a sério. Mulher, traga-me o torresmo!".

Então foi até o fundo do guarda-roupa e a retirou de dentro da caixa de uma sandália da Azaléia. Estava intacta, vermelho-sangue, hipnotizante: a gravata que roubara de seu pai quando este descansava no caixão. Colocou-a, e imediatamente sentiu seu sangue fluir, ferver, pulsando nas veias; sente algo com um soco no estômago e começa a ficar sem ar, debruça-se na mesa e aos poucos vai aliviando, a cada inspiração e expiração. E então se sente bem. Melhor do que nunca.

Sai de casa como se um véu tivesse sido retirado de sua cabeça, tudo é muito claro e já não enxerga somente gravatas. Consegue ver os rostos, analisa-os, sente-se feliz. Uma alegria como há muito não sentia. Passeia sem rumo pela cidade até anoitecer. Então chega em casa e tudo é diferente, senta-se no sofá, a paz reina em sua cabeça. Dorme profundamente.

No dia seguinte foi encontrado morto, dizem que se enforcou com a gravata, que havia ultrapassado a pele de seu pescoço, mas ainda assim sorria. Um sorriso satisfeito de alguém que talvez tenha levado a sério demais o nó da gravata.

domingo, 10 de maio de 2015

O Casal - Parte Final: Cabaret Molotov

"Lembra quando começamos a namorar? Prometemos não esconder nada um do outro, mas
isso não era necessário, nossa comunicação sempre se deu através de uma espécie de
telepatia. Mas enlouquecemos, e era para ser assim mesmo, só não sei em que dado
momento nós saímos do mundo da razão. Tudo que solicitei que tu fizesse foram
ordens que recebi, sem contestar; mas precisamos pôr um fim nisso. Não somos mais
nós mesmos, estamos sob estado de sítio, não temos controle sobre nossas vidas.
Morremos há muito tempo atrás e não faço a mínima idéia de quem ou o quê está no
controle agora. Tenho raros estados de lucidez. Mas chega, isso é preciso, é a
única saída, então eu peço que faça o seguinte:
 Quando anoitecer, pegue sua Magnun 44, vá até o Cabaret Molotov, chame a atenção
de todos e dê um tiro na própria cabeça. Não hesite.

 Ana".

Ele bebia tranquilamente um mocaccino numa lancheria distante do bar onde
assassinara a garçonete. Teria ele estuprado a probre ruiva? Já não tinha certeza
de mais nada, e tampouco se importava. Ana realmente tinha razão, não havia outra
saída. Lembrou-se de que a arma estava no porta-luvas, avistara-a quando encontrou
o 1º bilhete de sua falecida esposa.
 De repente, sua visão fica totalmente escura, escuridão esta acompanhada de um
zumbido em seus ouvidos.
 Acordou dentro do carro, já era noite. O acendedor de cigarros na sua língua
deixou-o mais desperto.
 - Melhor que cocaína - disse consigo mesmo.
 O smog tomava conta daquela cidade úmida e suja, prostitutas berravam ,
endoidecidas e fissuradas. Junkies em meio a ratos e lixeiras falavam de Glória e
Redenção.
 Ele teve vontade de matar a todos e , inclusive, sentia-se parte daquilo, então
carrega o tambor do revólver e parte para o Cabaret Molotov.
 - Que vai ser, hein, meu chapa?
 - Bacanora.
 - Veja bem...o senhor sabe...esta bebida é proibida por aqui...
 - Esta pocilga toda é proibida. Veja.
 Um sujeitinho de bigode e chapéu-coco tocava um vaudeville no piano, enquanto
executivos gordos e ensebados babavam em cima das moças. A decoração era inspirada
nos anos 20, e os frequentadores, inspirados na idade das cavernas.
 - Traga minha Bacanora, não quero que seus miolos conheçam a potência de uma
Magnum 44, como esta.
 - Tá bom, tá bom. Bacanora saindo.
 - ...
 - Pronto. Taí. Ei, ei, ei, não bebe tudo assim não, isso é lava vulcânica, cara!
Ai, meu deus, vai dar merda...
 - Lamento muito não poder levá-los comigo - grita ele, subindo no piano -, estamos
todos no mesmo barco, e este barco já afundou na bosta há um bom tempo. Não há
sobreviventes nesse mundo!

 E rapidamente, ele atira, não em sua têmpora, mas logo acima de sua orelha
direita. Em meio à toda aquela correria, ele sequer sente seu corpo cair. O pouco
que sobra de sua cabeça fica de lado, e um filme muito ruim se passa em seu olho,
além do sangue. A cena vai ficando cada vez mais vermelha, e num último suspiro de
vida, ele se recorda de todos os crimes cometidos no passado e sente até mesmo uma
compaixão por aqueles pobres diabos.
 Só um pouco.

Escrito por Júlio Freitas (10/05/2015)