domingo, 20 de setembro de 2015

Comunicado extra-oficial

Me enchi de metedrina
peguei a mochila e saí
desviando de alguns morcegos
e demônios com dentes arreganhados

Explodi a prefeitura,
bombas caseiras, saca?

Empurrei uma velhas
em frente à ônibus que passavam
uma delas teve a cabeça esmagada pelas rodas

Esfaqueei uns pé-de-porco
entrei com um Opala e tudo no Carrefour
fiz uma limpa
os seguranças eram frouxos
deixei todos se estrebuchando

Fiz uma chacina
no prédio da Zero Hora
os filhos da puta recusaram um poema meu

Estuprei a garçonete do buteco
depois a afoguei na privada
já não me servia pra mais nada

Abri o manicômio e o presídio
deixei todos fugirem
são meus fiéis seguidores

É só o começo
fazia tempo que eu não andava por aqui
vocês ainda vão ouvir muito sobre mim

Estou de volta
meu nome é Jesus

Está aberta a temporada da degola.


Roleta-russa














terça-feira, 9 de junho de 2015

Gravatas


Não gostava de gravatas. Saía pela manhã cheirando a café, cigarro e mofo, suas baratas e ratos de estimação ficavam na porta, acenando, enquanto passava o ônibus com alguns tripulantes engravatados. Seu olho esquerdo tremia freneticamente ao vê-los de relance, preferia ficar em pé, estático, os dentes acirrados e as mãos suando, geladas. Ficava a planejar numa forma de pôr um fim naquilo tudo. Todos os dias.

Já não enxergava mais as pessoas, eram tudo gravatas. No trabalho, mais gravatas. Gravatas tomando café, coçando o saco, contando piadas, peidando. Gravatas trabalhando na grande máquina sanguessuga, chupando a alma dos pobres diabos que chegavam se arrastando, suplicando menos taxas e juros.

Na rua, gravatas berrando ao telefone, xingando umas às outras, gravatas enfileiradas esperando seu McLanche Feliz, assistindo a um imbecil qualquer na TV, outras em transe, rodeando uma gravata com bíblia na mão.

Não gostava de gravatas. Precisava acabar com aquilo.

Certo dia chegou em casa, atirando a pasta na cama e afrouxando o gola da camisa. Pegou a garrafa e começou a mamar seu bíter, ele queria evitar as palavras de seu falecido pai, mas elas marretavam cada vez mais forte em sua cabeça: "- Filho, espero ainda estar vivo para vê-lo homem, com um bom emprego, de terno e gravata. Um homem sem gravata não deve ser levado a sério. Mulher, traga-me o torresmo!".

Então foi até o fundo do guarda-roupa e a retirou de dentro da caixa de uma sandália da Azaléia. Estava intacta, vermelho-sangue, hipnotizante: a gravata que roubara de seu pai quando este descansava no caixão. Colocou-a, e imediatamente sentiu seu sangue fluir, ferver, pulsando nas veias; sente algo com um soco no estômago e começa a ficar sem ar, debruça-se na mesa e aos poucos vai aliviando, a cada inspiração e expiração. E então se sente bem. Melhor do que nunca.

Sai de casa como se um véu tivesse sido retirado de sua cabeça, tudo é muito claro e já não enxerga somente gravatas. Consegue ver os rostos, analisa-os, sente-se feliz. Uma alegria como há muito não sentia. Passeia sem rumo pela cidade até anoitecer. Então chega em casa e tudo é diferente, senta-se no sofá, a paz reina em sua cabeça. Dorme profundamente.

No dia seguinte foi encontrado morto, dizem que se enforcou com a gravata, que havia ultrapassado a pele de seu pescoço, mas ainda assim sorria. Um sorriso satisfeito de alguém que talvez tenha levado a sério demais o nó da gravata.

domingo, 10 de maio de 2015

O Casal - Parte Final: Cabaret Molotov

"Lembra quando começamos a namorar? Prometemos não esconder nada um do outro, mas
isso não era necessário, nossa comunicação sempre se deu através de uma espécie de
telepatia. Mas enlouquecemos, e era para ser assim mesmo, só não sei em que dado
momento nós saímos do mundo da razão. Tudo que solicitei que tu fizesse foram
ordens que recebi, sem contestar; mas precisamos pôr um fim nisso. Não somos mais
nós mesmos, estamos sob estado de sítio, não temos controle sobre nossas vidas.
Morremos há muito tempo atrás e não faço a mínima idéia de quem ou o quê está no
controle agora. Tenho raros estados de lucidez. Mas chega, isso é preciso, é a
única saída, então eu peço que faça o seguinte:
 Quando anoitecer, pegue sua Magnun 44, vá até o Cabaret Molotov, chame a atenção
de todos e dê um tiro na própria cabeça. Não hesite.

 Ana".

Ele bebia tranquilamente um mocaccino numa lancheria distante do bar onde
assassinara a garçonete. Teria ele estuprado a probre ruiva? Já não tinha certeza
de mais nada, e tampouco se importava. Ana realmente tinha razão, não havia outra
saída. Lembrou-se de que a arma estava no porta-luvas, avistara-a quando encontrou
o 1º bilhete de sua falecida esposa.
 De repente, sua visão fica totalmente escura, escuridão esta acompanhada de um
zumbido em seus ouvidos.
 Acordou dentro do carro, já era noite. O acendedor de cigarros na sua língua
deixou-o mais desperto.
 - Melhor que cocaína - disse consigo mesmo.
 O smog tomava conta daquela cidade úmida e suja, prostitutas berravam ,
endoidecidas e fissuradas. Junkies em meio a ratos e lixeiras falavam de Glória e
Redenção.
 Ele teve vontade de matar a todos e , inclusive, sentia-se parte daquilo, então
carrega o tambor do revólver e parte para o Cabaret Molotov.
 - Que vai ser, hein, meu chapa?
 - Bacanora.
 - Veja bem...o senhor sabe...esta bebida é proibida por aqui...
 - Esta pocilga toda é proibida. Veja.
 Um sujeitinho de bigode e chapéu-coco tocava um vaudeville no piano, enquanto
executivos gordos e ensebados babavam em cima das moças. A decoração era inspirada
nos anos 20, e os frequentadores, inspirados na idade das cavernas.
 - Traga minha Bacanora, não quero que seus miolos conheçam a potência de uma
Magnum 44, como esta.
 - Tá bom, tá bom. Bacanora saindo.
 - ...
 - Pronto. Taí. Ei, ei, ei, não bebe tudo assim não, isso é lava vulcânica, cara!
Ai, meu deus, vai dar merda...
 - Lamento muito não poder levá-los comigo - grita ele, subindo no piano -, estamos
todos no mesmo barco, e este barco já afundou na bosta há um bom tempo. Não há
sobreviventes nesse mundo!

 E rapidamente, ele atira, não em sua têmpora, mas logo acima de sua orelha
direita. Em meio à toda aquela correria, ele sequer sente seu corpo cair. O pouco
que sobra de sua cabeça fica de lado, e um filme muito ruim se passa em seu olho,
além do sangue. A cena vai ficando cada vez mais vermelha, e num último suspiro de
vida, ele se recorda de todos os crimes cometidos no passado e sente até mesmo uma
compaixão por aqueles pobres diabos.
 Só um pouco.

Escrito por Júlio Freitas (10/05/2015)










O Casal - Parte 3: Caddy, a garçonete

       Após algumas horas rodando pela cidade, ele pára num acostamento, sua mulher sabia que ele era dado à lapsos de memória, e por isso escreveu num papel que estava no porta-luvas uma lista com 2 coisas a serem executadas após o estrangulamento:
       1º: Páre em um acostamento distante da cidade, próximo à ponte, retire meu corpo do carro, passe batom em meus lábios e jogue-me no rio;
       Atirá-la na água foi fácil, o difícil foi a parte do batom, ele teve que cortar um pedaço da língua da sua mulher com seu canivete suíço, já que aquela não parava dentro da boca desta. Feito isto, ele entra no carro, acende um cigarro e risca o 1º item da folha. o 2º dizia o seguinte:
      "Vá até o bar 'Warm Beer and Cold Women' e faça sexo no banheiro com Caddy, a garçonete. Da última vez que fomos lá ela me confessou que queria te dar o rabo. Goze dentro dela, não se preocupe com isso, nem com o meu corpo boiando no rio. Eu já cuidei de tudo. Caddy está com a 3ª tarefa".
     Assim que termina o cigarro, ele dirige até o local, era perto do meio dia mas o frio continuava intenso, e estava ficando nublado. Ele estivera naquele lugar há 2 semanas com sua mulher, nunca gostou dali, exceto pela  jukebox. Sentou-se ao lado da janela, os assentos eram de um couro vermelho acolchoado, unidos às mesas de madeira. Ao avistar a garçonete, pede uma dose de vodka e assim que ela retorna com a bebida, ele diz:
     - Então...Caddy, vou ser o mais direto possível, - bebe tudo num gole só- eu tenho um puta tesão por ti e gostaria de te enrabar, ali no banheiro.
    - Como assim? - pergunta ela, fingindo estar surpresa.
    - Ah qual é? Vamos ali, eu sinto que tu também quer, pelo menos é o que os teus olhos me dizem agora.
 Ela sorri com o canto da boca e então fala:
    - Entre na última casinha do banheiro feminino daqui a 5 minutos, também tenho um envelope teu.
    Passado este tempo, ele vai até lá, certificando-se de que ninguém o estava cuidando. Caddy realmente era uma ruiva muito gostosa, e um tanto maluca; sem muita demora, eles partem para a ação, sentados na privada; ela não tirara a saia e nem a malha preta, somente a calcinha. Ao final da trepada, ela lhe dá um envelope e o beija. Durante o beijo, ele começa a sentir novamente aquele cheiro de sangue, e as vozes lhe diziam: "quebre a cabeça dela na borda da privada", aquilo era mais forte que ele, não era algo questionável e sim, uma ordem.
    - Caddy?
    - Hum?
    - Prometo que não vai doer, tá?
    - Sobre o que tu está faland...
    Antes que ela pudesse terminar, ele a pega pelos cabelos e estava tudo feito. Um som seco e mais nada. Saiu do bar sem olhar para os lados e nem para trás, saiu inclusive sem pagar sua bebida. Neste momento, uma poça de sangue se formava ao redor do corpo da garçonete. Tocava Tom Waits na  jukebox. Tocava Tom Waits na  jukebox.
 
     Assoviava.
 






Escrito por Júlio Freitas (10/05/2015)






















































O Casal - Parte 1: Sangue

       Estavam casados há 17 anos, não tinham filhos e moravam numa casa que ela herdara do pai. Ele era redator de um jornal local e ela era dona de uma loja de lingerie. Não se pode dizer que o relacionamento deles fosse normal, iam quase todos os fins de tarde sentar em um banco específico de uma praça, banco este onde se beijaram pela 1ª vez; era uma tentativa um tanto infantil de resgatarem uma visceralidade adolescente.
      Mas eles levavam isso muito à sério, degladiavam na cama e estupravam-se um ao outro, resultando em sangue e escoriações diversas, em situações que beiravam o canibalismo.
      Ele estava passando recentemente por problemas psiquiátricos, alegava que ouvia vozes que o mandavam fazer coisas, como dirigir na contramão a 180 Km/h, calçar os sapatos trocados e empurrar pessoas em
frente a carros que passavam, além da masturbação em público.
     Certa vez ao chegar em casa, encontra sua mulher num tubinho preto e botas de vinil.
     - Amor? - chama ela.
     - Hum?
     - Queria te pedir uma coisa...
     - Que é?
     Então ela se aproxima lentamente e cochicha algo em seu ouvido. Aquele era o dia do aniversário dela e a história deles estava prestes a tomar outro rumo, havia um incenso de ópio aceso, e assim que o mesmo se apaga, ele começa a sentir um cheiro, o mesmo cheiro que ele sentia antes de executar aqueles atos malucos: o de sangue.

Escrito por Júlio Freitas (10/05/2015)

O Casal - Parte 2: Monólogo

       - Talvez tu não precise disso, ou talvez precise mais do que imagina, mas a questão é: isso irá lhe dar uma plena satisfação, ou não passará de um desejo, um mero impulso? Sabe, querida, eu tentei ser sensato, mas tuas idéias estavam me apavorando, não conseguia dormir direito nem trabalhar, tomava porre de
whiskey toda noite pra esquecer das tuas loucuras.
 Eu sei, fomos felizes e tals, mas bem que a gente poderia mudar o nosso banco daquela praça, mendigos dormem ali, sabe, mijam e cagam também. Melhor, poderíamos mudar de praça, ou de país, ou simplesmente ficar em casa, tu me conhece, não gosto de lugares públicos, as pessoas me dão ânsia de vômito, principalmente os membros da tua família. Não me force a isto, a gente pode tentar mil coisas ainda, ouviu? Ana...? Ana...? Ana!
       Ele continuava apertando firmemente o pescoço dela, com ambas as mãos, conforme ela havia pedido; e então ele cai na gargalhada, perante a língua roxa e os olhos esbugalhados de sua esposa. Antes de pôr o corpo no porta-malas do carro, ele nota uma correspondência na caixa:
      - Mas que diabos, vão cortar a TV a cabo de novo!
O sol estava nascendo, com vários feixes de luz se espalhando para todos os lados, e aos poucos ilumina toda a rua. No vidro traseiro do carro que já ia longe, percebe-se algo escrito:
"LAVE-ME".
Escrito por Júlio Freitas (10/05/2015)

quinta-feira, 30 de abril de 2015

A Coisa





A Coisa

                Subo as escadas do velho farol com dificuldade. Meu estômago ainda dói ao tentar realizar a digestão do macarrão congelado de Helena.  Sei muito bem dentro de mim que não é o macarrão o principal motivo dos meus aborrecimentos.  Helena me pegou desprevenido com o divórcio. Achei que, depois de cessado todas as malditas reformas no farol, as coisas iriam melhorar. Sei que contribuí para uma situação turbulenta em casa, mas não pensei que a coisa estivesse tão séria assim.

                Talvez Helena esteja certa... Talvez eu esteja levando meu trabalho a sério demais. Eu prometi a Hugo que faria esta reforma o mais rápido possível.  Éramos três quando a reforma teve início. Bruno sumiu quando a filha do açougueiro apareceu grávida e Carlos está em casa devido a uma gripe interminável. 
 
                Já perdi a conta de quantos dias estou sozinho neste farol e para piorar ando assustado demais.  Isso desde a noite retrasada... Desde que o barulho começou.  Não é um barulho comum e tenho certeza que não é nenhuma embarcação se aproximando, pois o radar não localiza nada ao redor do farol. Ele não é alto, mas é constante. Como se fosse a respiração de alguma coisa bem próxima a mim. O barulho me perturba, me assusta realmente. Sei que não existem monstros marinhos, mas desde ontem coloquei cadeado nas duas entradas do velho farol e tenho permanecido armado até o momento de ir embora.  Não sei se uma velha pistola 22 totalmente enferrujada pode ser considerada como arma, mas veio parte do pacote de equipamentos de segurança disponibilizados por Hugo.

                Confiro a hora no relógio... Hora da primeira ronda. Além da reforma me coube também a árdua tarefa da segurança do farol. Rio sozinho imaginando o que bandidos iriam querer levar deste lugar esquecido por Deus. Eu caminho por um amontoado de lixo durante todos os dias. Talvez a única coisa que valha alguma coisa seja o velho 22 enferrujado.

                A parte difícil durante a ronda é entrar e sair da sala do radar. O apoio lateral da escada se soltou da parede e, caso perca o equilíbrio na escada, minha queda pode ser fatal. Ao entrar na sala o barulho volta a me atacar violentamente. Está mais alto do que na noite anterior e parece vir acima da sala onde estou.  Ao acessar a escada me deparo com um enorme vulto saltando para o mar. Corro direto para o radar e acabo derrubando um extintor de incêndio. Não cogito a possibilidade de guardá-lo e confirmo na escura tela do radar que não há nada a quilômetros de distância. O vulto era grande demais para ser um homem e tinha que ter aparecido no maldito radar. Impossível ser minha mente pregando uma peça. 

Minhas mãos tremem. Não consigo encher um copo de café sem derramá-lo pela mesa. Volto a checar o radar e nada aparece em nossas águas, mas quase imediatamente o barulho volta a me atacar ainda mais forte e desta vez vindo do portão de entrada. Saco minha arma, corro em direção à entrada e tento identificar um vulto batendo no portão:
                - Carlos? O que diabos está fazendo aqui a essa hora?
                - Eu que pergunto, Wellington. Já faz mais de 10 dias que você não volta pra casa. Sua esposa me pediu para vir aqui perguntar o que está havendo?  O pessoal da ilha anda comentando que você enlouqueceu depois do divórcio.
                - Como sabe disso? Eu falei com Helena ontem. Tenho certeza que vamos reverter isso. Nós ainda nos amamos.
                - Meu amigo... Você precisa de ajuda. Ficou trabalhando neste maldito farol tempo demais. Concentrou-se de maneira um tanto doentia em reformas intermináveis. Se não está pintando uma parede passa o resto do tempo tenta localizar no radar alguma coisa que gera um barulho que somente você escuta. Esqueça esse lixo de farol, esqueça monstros imaginários e vamos para casa agora.
            -  Eu não estou louco, Carlos! Se você ou Bruno tivessem ajudado a reforma já estaria pronta.
            - É uma pena pensar assim, Wellington. Sabe muito bem que me ausentei por motivos de doença, mas estou me recuperando.
           - Então sugiro que vá embora! Para que realmente se cure!

      Saio do portão e deixo Carlos falando sozinho. Subo as escadas apressado e pensando nas palavras daquele homem. Sei que não estou louco. Quando estou a alguns metros da entrada enxergo o vulto sair de dentro do mar e ir em direção ao farol. Saco a arma e corro em direção ao monstro. Quando consigo me aproximar dou três tiros naquela coisa que corre para dentro da sala do radar. Escuto os berros de Carlos de longe juntamente com o barulho do monstro. Alcanço a escada e confiro a arma: ainda tenho quatro balas... Deve ser suficiente para matar a coisa. Subo os degraus com cuidado. Sinto a respiração do monstro cada mais mais perto e Carlos continua berrando lá embaixo. 

         Quando finalmente chego na sala os gritos de outra pessoa me desconcentram... Ao virar meu corpo para enxergar Helena no portão acabo pisando em falso e caio de uma altura quase fatal. Sinto uma dor absurda ao atingir o chão e não consigo mexer meu corpo. Percebo que Helena se aproxima chorando juntamente com Carlos e alguns policiais. Um deles pede que desliguem a sirene da viatura policial. O barulho diminui drasticamente quando a mesma é desligada. Mantenho os olhos fixos para o velho farol e observo aquele misterioso vulto se evaporando, desaparecendo juntamente com a noite. Uma ambulância chega e os policiais me colocam deitado numa maca dentro dela. Não consigo falar, não consigo mexer meu corpo, mas percebo que Helena vai junto comigo dentro da ambulância. Escuto a voz de Carlos tentando confortá-la e aos poucos começo a ter uma sensação estranha passeando pelo meu corpo. É como se estivesse levitando. Não sinto medo... Muito pelo contrário a sensação é até agradável e o barulho da coisa está bem baixo agora... Quase nada.



Escrito por Marcio Chacon (30/04/2015)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A Maldade de Régis



A Maldade de Régis

Régis era mau. Era conhecido como o monstro do 3º Batalhão do Exército. O apelido foi dado em razão do seu físico avantajado e de várias cicatrizes espalhadas pelo corpo. Muitas histórias são contadas por causa do seu comportamento violento. Dizem que certa vez na final do torneio de futebol envolvendo nosso batalhão ele teria quebrado as duas pernas do goleiro rival... O motivo é que o coitado estaria demorando demais para repor a bola em jogo.
Régis realmente era mau. Ainda no seu tempo de recruta levou um tiro no rosto durante uma ocupação na favela Cruzeiro... Perdeu dois dentes na boca e ganhou um corte feio no rosto que foi disfarçando com o tempo na medida que seu bigode ia crescendo. Sua recuperação era fantástica... Mal saía do hospital e já estava de volta com o batalhão para uma nova operação. Infelizmente durante sua última missão no campo foi baleado gravemente na perna. Ficou um bom tempo internado com risco de amputação, mas o desgraçado conseguiu se recuperar sem a necessidade de uma cirurgia. O problema é que não conseguia correr como antes. Foi lhe oferecido uma função administrativa bastante remunerada dentro do batalhão, mas o monstro queria voltar para o campo. O seu tenente Peter decidiu afastar o monstro e iniciar um treinamento sigiloso em separado. Queria testar Régis na próxima avaliação para sargento.
As provas físicas eram extremamente cansativas para quem quisesse virar sargento no nosso batalhão. As atividades eram monitoradas pelo sargento Thomas... Um homem arrogante e bastante cruel. Gostava de passear ao redor dos novatos com um cabo de vassoura e mandando os mesmos baixarem suas calças. Thomas também conhecia Régis... Sabia que ele era forte como um touro, mas que vinha de uma séria recuperação na perna. Thomas foi caminhando de soldado a soldado até parar de frente com o monstro. Fitou Régis pelos olhos e gritou:
- A primeira parte da prova é moleza, meninas! Basta darem duas voltas ao redor da mata! O último que chegar será a minha mulher, entenderam?
Todos responderam com exceção de Régis que sorria para seu sargento. Thomas se enfureceu:
- Por que não respondeu, monstro?
Régis então começo a rir copiosamente e antes que Thomas pudesse interceder puxou o mesmo pelos braços e tacou-lhe um forte beijo em sua boca. O rosto do pobre homem foi coberto pelo vasto bigode de Régis. Aquele beijo foi demorado, muitos soldados ficaram paralisados diante daquela situação. Houve muita confusão depois deste incidente. Todas as provas e avaliações do nosso batalhão foram suspensas, Régis foi expulso e Thomas foi suspenso por tempo indeterminado.
Somente muito tempo depois fui receber notícias dos dois homens. Régis passara o resto do seu tempo bebendo e arranjando brigas nos bares do centro. A poucos dias encontraram seu corpo nas margens do Guaíba. O monstro, provalmente bêbado, teria caído e se afogado. O fim de Thomas não foi menos trágico... Assim que a notícia do beijo se espalhou afetou não só sua carreira militar como também sua vida pessoal. Na noite em que sua esposa o deixou Thomas escreveu um bilhete de despedida para seus superiores e em seguida se matou com um tiro na boca.
Tudo isso por causa de uma tragédia envolvendo um simples beijo. Tudo isso porque Régis era mau.


Escrito por Marcio Chacon (20/02/2015)